PASSO A PASSO DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL
Técnicas avançadas de estímulo ao desenvolvimento
neuromotor do recém-nascido (motricidade liberada)

    Uma das coisas mais surpreendentes da natureza animal é a neuroprogramação dos recém-nascidos de qualquer espécie, para desenvolver determinados comportamentos instintivos de importância vital para a sobrevivência. Logo após o nascimento, o filhote de canguru, pouco maior do que um centímetro, migra por longo trajeto até a bolsa da mãe, para terminar o desenvolvimento. O filhote de chimpanzé nascerá com capacidade para agarrar-se aos pêlos da mãe, de modo a não despencar durante as longas viagens por sobre as copas das árvores. O potro, alguns minutos após o nascimento, estará levantando-se com as frágeis pernas, a procurar o leite materno, sofregamente.

    Todos esses comportamentos são atos reflexos que não dependem de aprendizado.

    O recém-nascido humano também possui dois atos reflexos vitais: o choro e a sucção.

    Além desses dois atos reflexos complexos, o recém-nascido possui vários outros, aparentemente sem funções estratégicas na sobrevivência e que são interpretados pelos cientistas como resquícios do processo evolutivo embrionário. Os reflexos arcaicos ou primitivos são examinados sistematicamente durante as consultas de puericultura e tendem a desaparecer ou a serem modificados no decorrer do processo de amadurecimento do sistema nervoso central.

    Durante a fase inicial da vida, os reflexos arcaicos, por assim dizer, parasitam o sistema nervoso do recém-nascido e o deixam impossibilitado de administrar seus recursos neuromotores para relacionamento efetivo com o meio ambiente. Só à medida que o tônus muscular se desenvolve, a criança ganha condições para inibir tais reflexos, abrir os olhos, esboçar seus primeiros movimentos corporais voluntários e interagir com as pessoas ao redor.

    Algumas crianças (nem todas) sofrem bastante com esses reflexos (que podem ser bastante frustrantes), uma vez que inibem uma série de comportamentos voluntários. Outras crianças, no entanto, passam naturalmente por essa fase sem maiores dramas.

    O maior fator responsável pelo desencadeamento dos reflexos arcaicos é a instabilidade cervical. Devido à pouca força da musculatura do pescoço, os pequenos deslocamentos da cabeça provocam uma reação conhecida como reflexo de Moro, que consiste no fechamento dos olhos, a abertura seguida pelo fechamento de braços e mãos como em um abraço e, por fim, o choro. Este reflexo lembra muito o instinto do chimpanzé agarrando-se ao pêlo da mãe para não cair. Mesmo não sendo desencadeado totalmente, o reflexo de Moro, em seu estágio inicial (fechamento dos olhos), é suficiente para inibir a atividade motora voluntária do recém-nascido.

    Através de algumas técnicas bastante simples, os pais podem aprender a inibir os reflexos primitivos, permitindo interação mais efetiva da criança com o ambiente. É o que chamamos de motricidade liberada . Tais técnicas são muito valiosas para certas crianças que querem interagir com o ambiente e não conseguem, sendo também muito úteis como instrumento de estímulo para crianças com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor.

    O primeiro passo é eliminar a instabilidade cervical através da fixação manual da nuca. A técnica consiste em manter a criança em posição elevada a quase noventa graus, voltada para o examinador, que, com uma das mãos, fixará a cabeça e a nuca do recém-nascido de modo a impedir os movimentos bruscos. A técnica não deve ser realizada em momento em que a criança esteja com fome ou logo após saciada, para impedir que a fome ou o sono prejudiquem a atividade. Mantida na posição por vinte a trinta minutos, a criança começa a libertar-se dos reflexos que a parasitam. Consegue, então, abrir os olhos e a estabelecer contato visual intenso com o examinador, aparentando o desenvolvimento da criança de mais idade. Algumas crianças chegam a esboçar uma atividade de preensão voluntária, como se quisessem agarrar algum objeto ou o rosto do examinador.

    À medida que a musculatura do pescoço começa a se fortalecer, a criança consegue inibir estes reflexos naturalmente e participar mais freqüentemente do ambiente.

    Estimular a criança a manter-se na posição de bruços é um modo excelente de fortalecer a musculatura do pescoço, que se obriga a vencer a força da gravidade para elevar a cabeça.

    O controle da instabilidade cervical e o sustento cefálico são as primeiras conquistas neuromotoras do recém-nascido e o primeiro passo da longa caminhada rumo ao amadurecimento neurológico.